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António Lobo Antunes sobre...
Pensava que uma das poucas qualidades que tinha era a ausência de inveja. Não é verdade. Invejo os poetas. O que eu queria mesmo, o que mais queria neste mundo, o que mais desejava, mas não tenho talento, era ser poeta. Até aos dezanove, vinte anos, só escrevi poemas. Descobri que eram maus, que não era capaz, que me faltava o dom. Foi um achado tremendo para mim, a certeza que a minha vida perdera o sentido. E então, aflito, desesperado, a medo, comecei a tentar outra coisa, porque não me concebia sem uma caneta na mão.
Nunca fiz contos, nem diários, nem teatro, nem ensaios e contar lérias, não me interessava. Interessava-me transferir o mundo inteiro para o interior das capas de um livro. E cheio de hesitações, recuos, influências, a certeza que ainda não era aquilo, ainda não era aquilo, dei início a este fadário.
Resignado com a minha ausência de talento para me exprimir em verso. Nos primeiros tempos ainda experimentei, ocasionalmente, redigir uns poemas: eram horríveis. Então conformei-me. O projecto de mudar o mundo através dos meus livros ajudava-me, romper com os cânones, a tradição, o passado, dizer o que nunca havia sido dito. A este sonho me amparo e com este sonho continuo. No entanto a secreta inveja dos poetas permanece. Tento contorná-la ao exigir de mim o impossível: a quadratura do círculo das emoções. Conseguir uma obra que contenha tudo dentro. Tudo dentro. E assim ando. Claro que gostava de ter composto o Branco e Vermelho de Pessanha. A Toada de Portalegre de Régio. As canções de Camões. A Pavorosa Ilusão da Eternidade de Bocage.
Certas estrofes, certos sonetos de Sá Miranda, tanta coisa mais. Mesmo nos vivos: invejo Vasco Graça Moura, António Franco Alexandre, Pedro Tamen, etc., que a lista é longa e toda a omissão é uma exclusão injusta. João Cabral de Melo Neto, Drummond: o Desaparecimento de Luísa Porto, por exemplo, é uma obra-prima. E eu aqui amarrado em busca do infinito, palavra a palavra, lento como um boi, a emendar, a voltar ao princípio, a emendar de novo, a voltar ao princípio de novo, a lograr uma linha, duas linhas, uma página por fim.
Trabalho de oficina, excepto em momentos privilegiados em que a mão anda por si, e o texto encontra, como por milagre, o seu caminho.
No resto do tempo sinto-me como os velhos nas escadas, conquistando duramente cada degrau. Não me estou a queixar: tenho o que escolhi, faço o que quero, não trocava a minha vida por nada deste mundo. No ano passado achei-me de repente diante da minha finitude, num imenso assombro.
Considerava-me imortal; soube, com horrível violência, que o não era. Ter passado o que passei alterou-me por completo a existência e suponho que modificou também o que produzo. Os médicos não tratam: tornam a dar-nos a eternidade sob a forma de um infinito futuro, isto é uma porção limitada de dias que apesar de tudo acreditamos, contra a evidência, não terminar nunca.
Agora tenho essa eternidade. Por quanto tempo não sei; o silêncio rodeia-nos por toda a parte, quer dizer, a ameaça dele. Não podemos deixar que ele nos assuste. Gastei meses a encostar o ouvido à terra do meu corpo, tenso, à espera.
Agora não: fico de pé na minha teimosa precariedade. Os exames afirmam que o meu corpo está bom: há alturas em que me apetece despi-lo, vogar sem ele, à deriva no meu lago de emoções, esperanças, desânimo ocasional, amor. Sou muito mais capaz de amar agora. Não. Sou finalmente capaz de amar agora. Não me sinto apenas feito para escrever como um danado, sinto-me feito para amar como um danado, numa doce ferocidade. De engolir o universo. Cristovam Pavia, poeta que estimo imenso e se abraçou a um comboio aos trinta e cinco anos, publicou um único livro de poemas antes desse abraço.
O último verso do livro ficou para sempre na minha cabeça. Diz: Só há saída pelo fundo. De maneira mais ou menos obscura sempre achei isto verdade. Agora faz parte da minha carne: só há saída pelo fundo, realmente, mas há uma saída.
E basta-me a certeza disso. Acabarei o livro que escrevo agora, escreverei mais livros. Até me tornar, não sei quando, um morto cobrido de amor, como na morna que o Vitorino me cantou um dia. Eugénio, neste momento lembrei-me de si, do seu repouso no coração do lume. Éramos tão amigos, gaita, teve para comigo tão delicadas atenções enquanto as palmeiras da Foz esbracejavam lá fora.
Ou Alexandre O'Neill, a única pessoa que conheci que não gostava de ninguém. Nem de si mesmo, acho eu.
Mau como as cobras, a rir um riso torto, devastador. Era uma época em que os escritores me fascinavam porque os olhava como mesas de espíritas, capazes de comunicarem com outra dimensão. Uma espécie de demiurgos, de feiticeiros.
Qualquer bom artista é uma mesa de espírita a receber mensagens do além, o que os torna, em certo sentido, quase irresistíveis: a quantidade de mulheres que sempre rodearam um monstro físico e moral como Sartre; Simenon gabava-se de ter dormido com quinze mil. Faz-me lembrar Billy The Kid afirmando haver morto dezoito homens. Acrescentava. Não contando os mexicanos e esse tipo de proezas acabou para mim.
Deixou de interessar-me. Uma única mulher basta: ela é todas. Nem sequer é uma questão de maturidade, é uma questão de não ser parvo. Acabando esta crónica regresso ao livro: ali está ele à minha espera, fazendo negaças. Não tem sorte nenhuma: vou ganhar. Nem que a pele fique pelo caminho vou ganhar. Mudá-lo-ei dúzias de vezes mas ganho. Só há saída pelo fundo. Eu encontro-a.
De onde me virá esta teimosia, esta firmeza? Não sei. Julgo que fui assim desde o início. As partes gelatinosas que tive vão-se tornando de pedra.
Cheio de ferro por dentro. Acabo de comer a torrada, vou-me embora.
Atravesso a rua para o sítio onde trabalho, pego na caneta, espero. Chamo caneta a uma esferográfica vulgar, qualquer que risque me serve. Terá sido a esferográfica que me riscou a testa com o tempo? Porque não voltas atrás e vês o que ficou escrito nela? Retratos, livros, papéis, eu a começar. O telefone soluça como um bebé e, dentro de mim, o teu nome. Vozes de crianças por trás e tudo de súbito fácil, perfeito. Não sei bem o que digo, não sei bem o que oiço. Limito-mo a afogar-me em ti como no mar.
Nunca fiz contos, nem diários, nem teatro, nem ensaios e contar lérias, não me interessava. Interessava-me transferir o mundo inteiro para o interior das capas de um livro. E cheio de hesitações, recuos, influências, a certeza que ainda não era aquilo, ainda não era aquilo, dei início a este fadário.
Resignado com a minha ausência de talento para me exprimir em verso. Nos primeiros tempos ainda experimentei, ocasionalmente, redigir uns poemas: eram horríveis. Então conformei-me. O projecto de mudar o mundo através dos meus livros ajudava-me, romper com os cânones, a tradição, o passado, dizer o que nunca havia sido dito. A este sonho me amparo e com este sonho continuo. No entanto a secreta inveja dos poetas permanece. Tento contorná-la ao exigir de mim o impossível: a quadratura do círculo das emoções. Conseguir uma obra que contenha tudo dentro. Tudo dentro. E assim ando. Claro que gostava de ter composto o Branco e Vermelho de Pessanha. A Toada de Portalegre de Régio. As canções de Camões. A Pavorosa Ilusão da Eternidade de Bocage.
Certas estrofes, certos sonetos de Sá Miranda, tanta coisa mais. Mesmo nos vivos: invejo Vasco Graça Moura, António Franco Alexandre, Pedro Tamen, etc., que a lista é longa e toda a omissão é uma exclusão injusta. João Cabral de Melo Neto, Drummond: o Desaparecimento de Luísa Porto, por exemplo, é uma obra-prima. E eu aqui amarrado em busca do infinito, palavra a palavra, lento como um boi, a emendar, a voltar ao princípio, a emendar de novo, a voltar ao princípio de novo, a lograr uma linha, duas linhas, uma página por fim.
Trabalho de oficina, excepto em momentos privilegiados em que a mão anda por si, e o texto encontra, como por milagre, o seu caminho.
No resto do tempo sinto-me como os velhos nas escadas, conquistando duramente cada degrau. Não me estou a queixar: tenho o que escolhi, faço o que quero, não trocava a minha vida por nada deste mundo. No ano passado achei-me de repente diante da minha finitude, num imenso assombro.
Considerava-me imortal; soube, com horrível violência, que o não era. Ter passado o que passei alterou-me por completo a existência e suponho que modificou também o que produzo. Os médicos não tratam: tornam a dar-nos a eternidade sob a forma de um infinito futuro, isto é uma porção limitada de dias que apesar de tudo acreditamos, contra a evidência, não terminar nunca.
Agora tenho essa eternidade. Por quanto tempo não sei; o silêncio rodeia-nos por toda a parte, quer dizer, a ameaça dele. Não podemos deixar que ele nos assuste. Gastei meses a encostar o ouvido à terra do meu corpo, tenso, à espera.
Agora não: fico de pé na minha teimosa precariedade. Os exames afirmam que o meu corpo está bom: há alturas em que me apetece despi-lo, vogar sem ele, à deriva no meu lago de emoções, esperanças, desânimo ocasional, amor. Sou muito mais capaz de amar agora. Não. Sou finalmente capaz de amar agora. Não me sinto apenas feito para escrever como um danado, sinto-me feito para amar como um danado, numa doce ferocidade. De engolir o universo. Cristovam Pavia, poeta que estimo imenso e se abraçou a um comboio aos trinta e cinco anos, publicou um único livro de poemas antes desse abraço.
O último verso do livro ficou para sempre na minha cabeça. Diz: Só há saída pelo fundo. De maneira mais ou menos obscura sempre achei isto verdade. Agora faz parte da minha carne: só há saída pelo fundo, realmente, mas há uma saída.
E basta-me a certeza disso. Acabarei o livro que escrevo agora, escreverei mais livros. Até me tornar, não sei quando, um morto cobrido de amor, como na morna que o Vitorino me cantou um dia. Eugénio, neste momento lembrei-me de si, do seu repouso no coração do lume. Éramos tão amigos, gaita, teve para comigo tão delicadas atenções enquanto as palmeiras da Foz esbracejavam lá fora.
Ou Alexandre O'Neill, a única pessoa que conheci que não gostava de ninguém. Nem de si mesmo, acho eu.
Mau como as cobras, a rir um riso torto, devastador. Era uma época em que os escritores me fascinavam porque os olhava como mesas de espíritas, capazes de comunicarem com outra dimensão. Uma espécie de demiurgos, de feiticeiros.
Qualquer bom artista é uma mesa de espírita a receber mensagens do além, o que os torna, em certo sentido, quase irresistíveis: a quantidade de mulheres que sempre rodearam um monstro físico e moral como Sartre; Simenon gabava-se de ter dormido com quinze mil. Faz-me lembrar Billy The Kid afirmando haver morto dezoito homens. Acrescentava. Não contando os mexicanos e esse tipo de proezas acabou para mim.
Deixou de interessar-me. Uma única mulher basta: ela é todas. Nem sequer é uma questão de maturidade, é uma questão de não ser parvo. Acabando esta crónica regresso ao livro: ali está ele à minha espera, fazendo negaças. Não tem sorte nenhuma: vou ganhar. Nem que a pele fique pelo caminho vou ganhar. Mudá-lo-ei dúzias de vezes mas ganho. Só há saída pelo fundo. Eu encontro-a.
De onde me virá esta teimosia, esta firmeza? Não sei. Julgo que fui assim desde o início. As partes gelatinosas que tive vão-se tornando de pedra.
Cheio de ferro por dentro. Acabo de comer a torrada, vou-me embora.
Atravesso a rua para o sítio onde trabalho, pego na caneta, espero. Chamo caneta a uma esferográfica vulgar, qualquer que risque me serve. Terá sido a esferográfica que me riscou a testa com o tempo? Porque não voltas atrás e vês o que ficou escrito nela? Retratos, livros, papéis, eu a começar. O telefone soluça como um bebé e, dentro de mim, o teu nome. Vozes de crianças por trás e tudo de súbito fácil, perfeito. Não sei bem o que digo, não sei bem o que oiço. Limito-mo a afogar-me em ti como no mar.
6 Must-Read Books on Music, Emotion & the Brain...
MUSICOPHILIA
THIS IS YOUR BRAIN ON MUSIC
Never ones to pass up a good ol’ fashioned erudite throw-down, we can’t resist pointing out that the book’s final chapter, The Music Instinct, may be the juciest: It’s a direct response to Harvard psycholinguist Steven Pinker, who in a 1997 talk famously called music “auditory cheesecake” and dismissed it as evolutionarily useless, displacing demands from areas of the brain that should be handling more “important” functions like language. (Obviously, as much as we love Pinker, we think he’s dead wrong.) Levitin debunks this contention with a mighty arsenal of research across anthropology, history and cognitive science, alongside chuckle-worthy pop culture examples. (It’s safe to assume that it was musical talent, rather than any other, erm, evolutionary advantage, that helped Mick Jagger propagate his genes.)
MUSIC, LANGUAGE, AND THE BRAIN
It’s worth noting that Music, Language, and the Brain makes a fine addition to our list of 5 must-read books about language.
LISTEN TO THIS
MUSIC, THE BRAIN AND ECSTASY
THE TAO OF MUSIC
MUSIC AND THE MIND
segunda-feira, novembro 14
Love and a Question.
A stranger came to the door at eve,
And he spoke the bridegroom fair.
He bore a green-white stick in his hand,
And, for all burden, care.
He asked with the eyes more than the lips
For a shelter for the night,
And he turned and looked at the road afar
Without a window light.
The bridegroom came forth into the porch
With, 'Let us look at the sky,
And question what of the night to be,
Stranger, you and I.'
The woodbine leaves littered the yard,
The woodbine berries were blue,
Autumn, yes, winter was in the wind;
'Stranger, I wish I knew.'
Within, the bride in the dusk alone
Bent over the open fire,
Her face rose-red with the glowing coal
And the thought of the heart's desire.
The bridegroom looked at the weary road,
Yet saw but her within,
And wished her heart in a case of gold
And pinned with a silver pin.
The bridegroom thought it little to give
A dole of bread, a purse,
A heartfelt prayer for the poor of God,
Or for the rich a curse;
But whether or not a man was asked
To mar the love of two
By harboring woe in the bridal house,
The bridegroom wished he knew.
And he spoke the bridegroom fair.
He bore a green-white stick in his hand,
And, for all burden, care.
He asked with the eyes more than the lips
For a shelter for the night,
And he turned and looked at the road afar
Without a window light.
The bridegroom came forth into the porch
With, 'Let us look at the sky,
And question what of the night to be,
Stranger, you and I.'
The woodbine leaves littered the yard,
The woodbine berries were blue,
Autumn, yes, winter was in the wind;
'Stranger, I wish I knew.'
Within, the bride in the dusk alone
Bent over the open fire,
Her face rose-red with the glowing coal
And the thought of the heart's desire.
The bridegroom looked at the weary road,
Yet saw but her within,
And wished her heart in a case of gold
And pinned with a silver pin.
The bridegroom thought it little to give
A dole of bread, a purse,
A heartfelt prayer for the poor of God,
Or for the rich a curse;
But whether or not a man was asked
To mar the love of two
By harboring woe in the bridal house,
The bridegroom wished he knew.
sexta-feira, novembro 11
quinta-feira, novembro 10
quarta-feira, novembro 9
quarta-feira, novembro 2
Quando me amas...
Tenho saudades do amor cego. Aquele que nos aguça os sentidos e nos projecta para uma espécie de vertigem. Sem medo, sem olhar para trás, com o melhor e o pior de nós. Ali, com o corpo todo, a alma e a pele. Amores que nos consomem e nos arrebatam. Com tudo o que temos. Em cada momento. Assim, como se cada dia fosse o único e cada hora nunca fosse bastante. Tenho saudades... Tenho saudades...
É o vento turbulento
Levantando tua roupa
É a chuva de primavera
Que vem lamber minha face
Quando me amas
É o sol escaldante
Que acaricia minha pele
E o ar leve do tempo
Em sopro doce e quente
Quando me amas
É isso acima de tudo
E mais outras mil coisas
Que existem entre nós
E perturbam meu corpo
Com infinita fraqueza
Quando me amas
É tua voz que se perde
Num ronronar apaixonado
Que faz vibrar minha carne
E que molha meus olhos
De lágrimas de ternura
Quando me amas
É o diabo e o inferno
Misturados a nossas brincadeiras
É o céu que nos foi dado
Por todos os deuses
Quando me amas
É o eclipse e o relâmpago
Que iluminam minhas alegrias
É a espuma dos mares
Que morre em teus dedos
Quando me amas
É moldado por tuas mãos
Todos os meus sentidos acesos
É meu corpo sobre o teu
Nossas respirações entrecortadas
E nossos gestos íntimos
Quando me amas
São esses ternos gritos
E essas queixas de amor
Que rasgam nossas noites
E morrem ao raiar do dia
No derradeiro prazer
Quando me amas
Quando me amas
Quando me amas
Meu amor
terça-feira, novembro 1
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