quarta-feira, novembro 17

Sossegar...

“O que eu mais queria neste mundo era sossegar. Eis um verbo que é preciso redimir. Sossegar não é descansar, nem traz felicidade, nem se assemelha, senão superficialmente, à paz ou à tranquilidade. Não quero acalmar-me, ou serenar, ou assentar. O sossego é um estado de bonança.
O sossego é um estado de exceção, em que a alma vem ao encon¬tro do corpo. Pode sossegar-se em momentos de grande agitação, de um acesso de amor, em que esse amor parece lucidez. É este o sossego com que sonho — uma presença consciente de verdade no que se sente -, oposto à parança estúpida, queda e adormecida, falsa, aquém da aler¬ta. Não gosto do sossego como alívio ou interrupção. Nem gosto da maneira como se usa o verbo descansar, que deveria significar repousar (recuperar as forças, etc.) em vez de sossegar, como por exemplo: «Ainda bem que me avisaste, porque assim fico mais descansada». É tão ridículo como uma criada dizer: «A senhora não pode vir ao telefone porque está a sossegar».
Na época do stress e dos calmantes, das psicoterapias e das manias new age, sossegar foi destituído da sua beleza própria, da sua frescura, da sua atividade.
Sossegar não é descansar - não é uma consequência do cansaço. Quando Rebelo da Silva, citado por Moraes, que por sua vez cita o dicionário de Freire, diz «O coração não sossega, a vida cansa», ambas as coisas são verdadeiras, mas a associação é enganadora, porque o cora-ção não sossega por causa de a vida cansar. Há cansaços bons. Não. O coração não sossega, porque não tem com que sossegar.
Mais que a felicidade e a paz, o mundo precisa de sossegar. O sossegamento é a forma mais precisa de liberdade. Mas não é uma liberdade negativa (estar livre de medos, de constrangimentos, de opressões), mas uma liberdade positiva — uma liberdade para sentir o que se sente e con¬fiar no que se sente, e ter tempo, e vontade, e confiança no que se faz.
Quando se olha para o rosto duma pessoa amada, ou se recebe dela um gesto de amor, sossega-se. Quando se sabe de antemão o que vai acontecer, ou como alguém se vai comportar, sossega-se. Quando se participa num acto de bondade, ou se assiste a um, sossega-se. Quando se é desculpado, sossega-se. Quando se faz uma promessa ou um plano que sabemos que se irá cumprir, sossega-se. Isso é sossegar.
Quando dois amantes decidem ter um filho, por muito medo que isso possa provocar, sossega-se. Quando aparece um amigo sem avisar, interrompendo tudo o que se tencionava fazer, sossega-se. Quando se está a lutar contra a injustiça e a maldade, com todas as forças que se tem, sossega-se. Quando se lê um poema ou uma história bonita, por muito triste que seja, sossega-se. Quando se acredita em Deus. Isso, sim, é sossegar.
Gosto de sossegar como verbo transitivo. Sossegar só por si não chega. É mais bonito sossegar alguém. Quando se pede «Sossega o meu coração» e se consegue sossegar. Quando se sai, quando se faz um esfor¬ço para sossegar alguém. E não é adormecendo ou tranquilizando, em jeito de médico a dar um sedativo, que se sossega uma pessoa. É enchendo-lhe a alma de amor, confiança, alegria, esperança e tudo o mais que é o presente a tornar-se, de repente, futuro. É o futuro que sossega. «Amanhã vamos passear» sossega mais que «Não te preocupes» ou «Deixa lá, que eu trato disso».
A aquietação, como o sono, é uma espécie de morte. Sossegar não é jazer. É viver. Uma pessoa sossegada é capaz de deitar abaixo uma floresta. O sossego não é um descanso — é uma força. Não é estar isolado e longe, deixado em paz - é estar determinado no meio do turbilhão da vida.
O sossego é, em grande parte, uma expressão espiritual de segurança. Sossegar é saber com o que se conta, desde o azul do céu aos irmãos. O coração sossega em quem se conhece. Sossegar é conhecer uma tota¬lidade, as coisas feias ou bonitas, mas previsíveis e familiares. É por isso que sossega olhar para um rosto amado, que se conhece, ouvir a voz dessa pessoa, mesmo quando está a dizer disparates. Não há falinhas mansas que tragam o sossego dos gritos duma pessoa com quem se pode contar. E um alívio. Só a ordem pode sossegar, por muito alterosa que seja. A tempestade sossega o marinheiro que conhece bem o barco e o mar.
No nosso tempo as pessoas querem o sossego menor das sopas e do descanso. Serem «deixadas» dalguma forma ou doutra: «Eu quero é que me deixem em paz». Querem fugir. Querem ir para o campo. Meditar. Descobrir o «eu» interior. Mas a solidão e o silêncio não sossegam. Para isso mais vale tomar um Lexotan.
Só os outros nos podem sossegar mesmo no meio da vida, em plena ação, se pode, e vale a pena, estar sossegado. O «eu» interior é uma algazarra de desassossego. Para mais, árida e desinteressante. O budismo de trazer por casa que invadiu a nossa cultura, uma espécie de narcisis¬mo espiritual, traduz uma noção repugnante de superioridade. Os outros podem ser o inferno, mas cada indivíduo ainda o é mais.
Não me saem da cabeça os instantes, poucos, em que me senti sos¬segar - e foi sempre graças a outra pessoa, vista ou lida, conhecida ou desconhecida, viva ou morta, menina ou crescida, sábia ou maluca, próxima ou longínqua, mas sempre presente, mais presente que eu pró¬prio. Eu próprio, por defeito, talvez, não consigo lá chegar. Nunca encontrei o sossego nos outros — foram sempre os outros que me sosse¬garam. E quase nunca deliberadamente.
Lembro-me, em particular, dum momento, que obviamente não vou contar, mas que consistiu apenas em olhar para alguém e sentir que tudo nela me era querido e conhecido e familiar.
Não há no mundo paisagem como o rosto duma pessoa amada, sobretudo quando está agitado, a rir-se ou a zangar-se, desprevenido, apanhado nos nossos olhos como se estivesse dentro deles já. Sentir essa mistura de perdição e de proximidade é verdadeiramente sossegar”.

Miguel Esteves Cardoso

Changing Education Paradigms

segunda-feira, novembro 15

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Como é que me deixei chegar a esse ponto. O mais triste é que me satisfazia ficar a olhar pela janela enquanto as lagrimas me escorriam pelo rosto. Admito que foram tempos difíceis. Afinal de contas, nem todas as historias de amor tem finais felizes...

EN(fim)... Daqui para a frente vou escrever pelo prazer que me dá recriar os divertimentos dos meus processos mentais. Com determinados significados demoníacos, mas, principalmente, livres...!


"Não vivo,mal vegeto,duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas
E o meu mal é ser (alheio a Cristo)
Nestas horas doridas e serenas completamente consciente disso."

Fernando Pessoa(15-05-1910)

Os Golpes



Agradecimentos a rapariga da mesa do canto. Bela chapa!

terça-feira, novembro 9

Medo

Música para combater a crise!

Embalado pelos ritmos de algumas "recentes" bandas nacionais, arrisco dizer que estamos a passar uma das melhores épocas musicais em Portugal. Temos de consumir mais música portuguesa. Não nos podemos deixar levar pela onda mundial que vende apenas o que lhes interessa e quase sempre em inglês. O talento é fundamental, mas não chega. A música portuguesa tem de ter a ambição de se mover num cenário global de forma a dinamizar a nossa economia, cultura e língua. Não percebo a razão das nossa editoras não exportarem o que de melhor temos em Portugal. Vemos uma Mariza a encantar o mundo, rimos de um Tony qualquer agitar corações por esses países de imigrantes... e então e os outros que fazem as coisas realmente boas?! Vamos valorizar o que é nosso. Do pouco que sei, os investimentos públicos na musica portuguesa dão apenas para as bandas sobreviverem no mercado nacional, e mal. Tem de haver um investimento de acordo com as nossas potencialidades. Bem sei que já tivemos alguma presença no mercado internacional, mas foram sempre alguns estilos muito próprios e quase sempre direccionados para públicos específicos. O objectivo tem de ser apoiar as novas revelações e talentos que a nossa musica tem vindo a ter nos últimos tempos. Nos anos 80 tivemos a Madredeus, Dulce Pontes. A partir do meio dos anos 90 focamos a nossa exportação musical apenas no fado. Tivemos a Mariza, Ana Moura, Mafalda Arnauth. Depois abrimos as portas a música mais urbana (Buraka Som Sistema). Está na altura de exportar outros estilos e talentos para além dos estilos que nos caracterizam enquanto povo (pimba e fado). Bandas como Linda Martini, os Golpes, Tiago Bettencurt, Peixe Avião, Diabo na Cruz, e outros talentosos nomes para quem Portugal é demasiado pequeno. Esses estão em perigo de ficarem algemados a um pais de mentes retrogradas e fascistas. Por um lado a culpa disto tudo é também dos críticos de música em Portugal.
As pessoas pensam que são livres de escolher, mas estão apenas a consumir o que lhes dão. Vemos programas de rádio com hits americanos, anúncios de publicidade com musicas inglesas, reportagens sobre bandas inglesas, pois está claro, é o poder económico a sobrepor-se a verdadeira essência da música . É claro que há excepções como em todo o lado, a grande rádio Radar, sempre disposta a mostrar o que de melhor temos...